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Gigante chinesa vai investir bilhões em mega data center do TikTok no Ceará; ambientalistas questionam impactos

Entenda o que é e como funciona um data center A big tech chinesa ByteDance, empresa controladora do TikTok, vai investir cerca de R$ 200 bilhões nos próximo...

Gigante chinesa vai investir bilhões em mega data center do TikTok no Ceará; ambientalistas questionam impactos
Gigante chinesa vai investir bilhões em mega data center do TikTok no Ceará; ambientalistas questionam impactos (Foto: Reprodução)

Entenda o que é e como funciona um data center A big tech chinesa ByteDance, empresa controladora do TikTok, vai investir cerca de R$ 200 bilhões nos próximos dez anos em um megaprojeto de um data center nas imediações do Porto do Pecém, no Ceará, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O empreendimento será o maior data center individual (de um único cliente) do Brasil. A dimensão do empreendimento tem despertado receio de comunidades indígenas da região e de ambientalistas, que se preocupam com o impacto ambiental dos data centers de grande porte devido às necessidades de água para resfriamento das máquinas e ao elevado consumo de energia. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp A obra do chamado "data center do TikTok" é tocada pela empresa cearense Casa dos Ventos, referência em energia eólica, e pela brasileira Omnia, braço do fundo de investimentos Pátria para data centers. As duas empresas devem investir mais de R$ 12 bilhões na estrutura, que será “alugada” e equipada pela ByteDance. Além da estrutura do data center, devem ser construídos, no território das Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) do Pecém, um parque eólico para abastecimento de energia e uma rede de transmissão de alta tensão. A expectativa é de que as obras comecem em 2026 e que a operação tenha início em 2027. 📍Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) são áreas voltadas para a indústria e para exportação, com incentivos fiscais e regulações diferenciadas para atrair empresas; atualmente, existem quatro ZPEs no Brasil, incluindo a do Pecém, no Ceará. LEIA TAMBÉM: Como funciona um data center? E por que ele pode consumir tanta energia e água? Primeiros data centers de IA no Brasil podem consumir mesma energia de 16 milhões de casas; conheça os projetos Em 3 de novembro, o projeto do data center foi aprovado pelo Conselho Nacional das ZPEs, presidido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que garantiu benefícios fiscais ao empreendimento. Também foram aprovados outros quatro data centers da empresa Exportdata, sem mais detalhes divulgados. A obra recebeu uma licença prévia de instalação das autoridades ambientais do Ceará ao ser considerado um empreendimento de baixo impacto, mas o Ministério Público Federal (MPF) solicitou perícia para analisar se seria necessário um estudo de impacto ambiental mais robusto. O resultado da perícia deve ser divulgado nesta quarta-feira, 10 de dezembro, e, até lá, nada deve acontecer na obra. Entenda o imbróglio envolvendo o megaempreendimento: O que são data centers? 🤔💻 Data Center é uma instalação física com alta capacidade de refrigeração, de conexão à internet e funcionamento ininterrupto. A estrutura abriga racks, estruturas retangulares que armazenam processadores responsáveis pelo tráfego e armazenamento de dados de toda a internet. Esses racks ficam em grandes salas, chamadas data hall, onde empresas de tecnologia mantêm os sistemas que fazem sites e redes sociais funcionarem. Sempre que um usuário acessa um filme no streaming ou publica um story, os dados passam por um data center. Racks são os processadores dos data center, que armazenam e fazem o tráfego de dados Gabriel Gonçalves/Acervo SVM A capacidade de processamento de dados de um data center é medida em megawatts (MW), unidade usada, geralmente, para se referir a energia. Ao falar da capacidade em MW, é comum dividir entre potência de TI (disponível exclusivamente para os servidores do cliente) e a potência total (que inclui a energia utilizada nos demais equipamentos). Devido à ininterrupta atividade de processamento de dados e as grandes quantidades de energia que circulam ali, as máquinas dos data centers precisam de sistemas potentes de refrigeração, que incluem modelos com resfriamento do ar (como o ar-condicionado) ou resfriamentos envolvendo uso de água para dissipar o calor. Data center do TikTok deve ser o maior da região 📱 O Ceará é o terceiro estado em quantidade de data centers e em capacidade instalada, com 13 data centers em operação, atrás apenas de São Paulo (82) e Rio de Janeiro (28), segundo a Associação Brasileira de Data Centers (ABDC). Data centers regulares têm capacidade total de 10 a 30 MW. Em outubro deste ano, a empresa brasileira Tecto inaugurou na Praia do Futuro, em Fortaleza, o maior data center do Nordeste, com uma potência total de 20 MW, iniciando operação com 4 MW de potência de TI. O “data center do TikTok” prevê dois prédios principais, somando 200 MW de potência de TI, superando toda a capacidade instalada no Ceará atualmente. A potência total chega a 300 MW, considerando o consumo dos outros maquinários do prédio. A energia é suficiente para abastecer uma cidade de cerca de meio milhão de habitantes. O projeto de estrutura do prédio, ao qual o g1 teve acesso, inclui os dois galpões principais, uma subestação própria de energia, reservatório de água e de combustíveis, uma guarita e uma extensa área de jardim que deve ser utilizada para novas construções em caso de futuras ampliações. Confira: Planta do data center com investimentos da ByteDance (TikTok), no Pecém (CE), tem dois prédios principais com processadores, uma subestação de energia e espaço para ampliação Reprodução Apesar de ter ficado conhecido como data center do TikTok, o projeto será construído pelas empresas brasileiras Casa dos Ventos e Omnia, que vão “alugar” a estrutura para a ByteDance. O data center deve ser exclusivo para exportação, processando dados para usuários de fora do país. Ele será instalado na ZPE do Pecém, entre Caucaia e São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza. O equipamento vai ocupar uma área de cerca de 68 hectares (ou 95 campos de futebol), às margens da CE-348, no território do município de Caucaia, a cerca de 2 quilômetros da Lagoa do Cauípe, importante corpo hídrico da região. Novo data center das empresas Omnia e Casa dos Ventos vai receber investimento da ByteDance, controladora do TikTok g1 CE Segundo a Omnia, o projeto vai utilizar o chamado sistema de refrigeração em ciclo fechado, no qual a água utilizada absorve o calor das máquinas e depois, em contato com ar, ela mesma é resfriada e volta novamente a passar pelas máquinas para absorver mais calor. Segundo a empresa, o modelo fechado "possibilita um baixíssimo consumo de água 30m³, equivalente a cerca de 70 residências médias", ou o correspondente a apenas 0,045% da demanda residencial total do município de Caucaia. A Omnia disse que a maior parte do consumo de água será para uso humano e predial, e "apenas cerca de 10% desse total utilizado para a refrigeração". O Conselho Nacional das ZPEs (CZPE) já concedeu ao projeto os benefícios fiscais usualmente concedidos às empresas exportadoras instaladas em ZPEs. O conselho estima que, em operação, o data center vai gerar 550 empregos diretos e indiretos. Nas obras de infraestrutura, 3.800. O sinal verde do CZPE veio com algumas condicionantes: todo data center instalado em uma ZPE, como o do TikTok, é obrigado a utilizar energias renováveis. As empresas devem construir um novo parque eólico e uma rede de transmissão de alta tensão, atividades especializadas da Casa dos Ventos. Data centers instalados em áreas de ZPE são obrigados a usar energias renováveis Thiago Gadelha/SVM Segundo o professor de computação e rede de computadores da Universidade Federal do Ceará, João Marcelo Uchôa, os data centers já são conectados entre si para formar uma rede global de distribuição de conteúdo e serviços, por isso um usuário do Brasil consegue acessar arquivos hospedados na Europa. No entanto, questões como a distância e mesmo a expansão fazem com que as grandes empresas de tecnologia procurem investir em data centers em diversos países, garantindo a melhoria do serviço e o oferecimento de novos serviços aos consumidores. No caso dos voltados para exportação de dados, a posição geográfica pode ajudar a alcançar e melhorar os serviços em novos mercados. “Se eu quero aumentar a minha presença no Brasil, eu vou ter muitos brasileiros fazendo o upload de vídeos [...], esse vídeo, se eu for colocar do Brasil para um data center em Miami ou um data center na Europa, essa distância, apesar de ser uma rede muito rápida, apesar de ser fibra ótica, sinal de luz, tudo isso aí, essa distância causa o que a gente chama de um lag, um atraso”, explica o docente. "O Ceará está a uma distância próxima da África, está a uma distância próxima da América do Norte, da Europa. Então, ao colocar o data center no Ceará, eu estou diminuindo o lag, a latência, para o Brasil, mas também estou diminuindo a latência para a África, que é um mercado que está aquecendo muito" Dimensão da obra gera questionamentos 🌳💧 Pelas suas dimensões, o data center gerou controvérsia entre ambientalistas, órgãos de fiscalização e comunidades indígenas do povo Anacé, que vivem nas proximidades e reivindicam a área como território indígena. Um dos pontos levantados é que o projeto recebeu uma licença prévia da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) apresentando um estudo ambiental simplificado, o mesmo que é exigido de obras de pequeno e médio porte. O data center vai ter um potencial total de 300 megawatts. Pelas normas estabelecidas pelo Conselho Nacional das ZPEs, esta energia consumida pelo data center deve ser 100% renovável e vir de uma produção nova, ou seja, ela não deveria "concorrer" com os atuais consumidores. Além disso, há preocupações sobre os níveis de consumo de água da estrutura – e de onde essa água vai ser retirada. Os Anacé temem que o modelo de resfriamento exija grandes volumes de água e que esta seja retirada da Lagoa do Cauípe, principal corpo hídrico da região. Perto da Praia do Cumbuco, a Lagoa do Cauípe é usada para a prática de kitesurf; antes de chegar à praia, ela abastece comunidades do entorno Kid Júnior/SVM A Lagoa do Cauípe está localizada no espaço entre a CE-085 e a Praia do Cumbuco. Neste último ponto, a lagoa é usada, sobretudo, para prática de kitesurf. Já no trecho anterior, antes de chegar à praia, ela ajuda no abastecimento de comunidades que vivem nas proximidades. “O Cauípe é algo que alimenta muitas cacimbas e poços das comunidades que não têm água encanada”, explicou ao g1 o cacique Roberto Itaiçaba Anacé. Ele reclama que a comunidade não foi consultada sobre a obra. “Ele chegou para os nossos conhecimentos através de terceiros, praticamente”, disse o cacique. "Nós não somos contrários [ao data center]. A gente quer regulamentação nas coisas. E clareza. E respeito às convenções e à população. Sobretudo às comunidades, muitas delas que não têm entendimento do direito que têm" Para emitir a licença prévia, a Semace realizou um licenciamento ambiental simplificado. No licenciamento simplificado, o empreendedor deve apresentar um relatório de impacto ambiental mais simples, chamado RAS, voltado para obras de pequeno porte. O RAS é mais conciso e menos detalhado que um estudo de impacto ambiental conhecido por EIA-RIMA, exigido para obras de grande porte. O licenciamento destas obras maiores também costuma exigir audiências públicas para discutir a obra, bem como aprovação, por meio de votação, do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema). O cacique Roberto Anacé critica a licença prévia emitida no modelo simplificado. Em junho, os Anacé chegaram a ocupar o prédio da Semace, em Fortaleza, exigindo que a licença fosse suspensa e os povos indígenas consultados antes da obra seguir. “Não nos informaram nem de consumo de água, nem de agravos do território ocupado por eles, nem da forma de construção. Eles dão tudo assim, 'vai ser mais ou menos isso, mais ou menos aquilo'”, reclama. Área onde data center deve ser construído está inserida na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Pecém, onde se instalam empresas exportadoras Google Street View Em outubro, os Anacé e entidades de defesa do meio ambiente pediram que o Ministério Público Federal (MPF) analisasse a situação do licenciamento ambiental. O órgão solicitou que seu corpo técnico realizasse uma perícia para avaliar se o modelo de licenciamento concedido pela Semace estava adequado para o padrão da obra. “Nesse momento nós estamos aguardando o resultado dessa perícia técnica e estamos aí planejando, com o recebimento desse resultado, fazer interlocuções com a Semace para que esse licenciamento seja mantido e analisado em seu total conteúdo ou então ele seja refeito, se o Ministério Público Federal através de seus peritos entender que não é cabível o licenciamento simplificado”, explicou o procurador da República, Alessander Sales. O resultado da perícia deve sair até o dia 10 de dezembro. Caso os técnicos concluam que deveria ter sido realizado o licenciamento de grande porte, com EIA-RIMA e audiências públicas, o empreendimento vai ficar parado até que todas as etapas sejam resolvidas, o que pode atrasar o prazo de início de operação, previsto para 2027. O que dizem as empresas Questionada sobre a classificação como empreendimento de baixo impacto, a Omnia informou que "dadas as soluções de sustentabilidade incorporadas ao projeto, a empresa considera plenamente correta a classificação de baixo impacto atribuída pelos órgãos ambientais, após os estudos criteriosos e aprofundados conduzidos pela Semace". "A Omnia reforça seu compromisso com o atendimento pleno às exigências do licenciamento ambiental, tendo colaborado de forma transparente ao longo de todo o processo de análise técnica e das avaliações de impacto", disse a empresa. Já a Casa dos Ventos, ao ser questionada sobre as dúvidas levantadas pelas comunidades indígenas e pela perícia solicitada pelo Ministério Público Federal, respondeu apenas "além de ter obtido as licenças ambientais necessárias do estado do Ceará com base em um estudo técnico rigoroso, [...] mantém um diálogo contínuo com as comunidades e autoridades, garantindo uma implementação que respeite a legislação, as melhores práticas vigentes, as pessoas e o meio ambiente". A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) foi procurada pelo g1, mas não respondeu até a publicação da reportagem. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará